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Fotografando a Aurora Boreal
Por: Marcello Cavalcanti
Êxtase e incredulidade. Talvez essas sejam as melhores palavras para descrever o momento em que você olha para o alto e vê um facho de luz verde se movendo e cortando o céu estrelado ao meio. Ao mesmo tempo em que eu entrei em verdadeiro êxtase por estar ali e querer fotografar da melhor forma possível, pensando em todos os detalhes – enquadramento, fotometria, tripé bem firme, baterias a postos – bate uma certa incredulidade na hora – será mesmo real isso? Estou vendo de verdade? É verde mesmo? Seria uma alucinação coletiva? Não estou brincando, este sentimento é real.
A ideia de fotografar a Aurora Boreal sempre foi muito distante. Talvez algo inalcançável. Tampouco tinha parado para pesquisar muito sobre esta possibilidade, avaliar custos, melhor época do ano, etc. Achava que poderia ser um tiro n’água, com rara possibilidade de realmente ver uma aurora, e ainda assim, se visse, que fosse em uma paisagem interessante para uma boa foto. Portanto, considerava que se um dia eu realmente a visse, seria ao acaso, no meio de uma viagem com outro propósito. Como eu tentei vê-la em 2018, em Jasper no Canadá, num dos últimos dias de viagem atravessando os parques nacionais da famosa Icefields Parkway. Não aconteceu, mas só de tentar, sair a noite de carro, procurar nos aplicativos a indicação, já foi uma adrenalina. Ali, eu senti que poderia ser interessante, mas a falta da companhia de um especialista no assunto pesou.
Resolvi então investir na empreitada, afinal até no canal do Youtube os inscritos estavam me cobrando vídeos deste tema que é tão popular entre os viajantes brasileiros. Todo mundo quer ver a Aurora Boreal!
A viagem foi organizada pelaBorealis Expedições, operadora especializada em destinos do Ártico e nas caçadas à Aurora Boreal. A Borealis é inclusive parceira da Pixel, que conta com sua expertise para a operação das expedições fotográficas por esta região do planeta.
A viagem até a cidade norueguesa de Tromsø, a “Capital mundial da Aurora Boreal”, é longa, mas vale cada minuto sentado na cadeira do avião. A cidade é linda, super organizada, pequena mas com uma cara cosmopolita, onde hotéis dividem espaço na paisagem com casas coloridas de madeira no melhor estilo escandinavo. Lembrando que Tromsø já está dentro do Círculo Polar Ártico, portanto, este “check” na sua lista de viagens você já vai poder dar também.
O staff local faz uma avaliação das condições meteorológicas antes de sair de Tromsø, para decidir para que lado vão dirigir em busca da Aurora Boreal. Nossa primeira saída, por exemplo, acabou dentro da Finlândia, pois era o lugar com céu mais aberto naquela noite. Mesmo assim algumas nuvens atrapalharam grande parte da noite, deixando a aurora visível mesmo quando já estávamos voltando pra Tromsø, de madrugada. Foi lindo, mas ainda não o ideal.
Na segunda noite de caçada, tivemos mais êxito e também tudo aconteceu mais rápido. Em pouco mais de 2 horas de carro, já estávamos vendo um arco verde no céu, espetacular, e na beira de um fiorde fantástico para fotografar. Ali rolaram minhas primeiras fotos de qualidade, com um cenário esplendoroso. O frio é uma constante na viagem, especialmente na época que eu escolhi (fim de janeiro), mas estava bem protegido com roupas próprias – Sim, eles também emprestam roupas especiais para condições de frio extremo – você nem vai lembrar que está -10ºC – até porque eles servem chá e chocolate quente a noite toda.
Fotografar a Aurora Boreal exige conhecimento intermediário de fotografia, pois você estará clicando à noite, em uma situação de escuro total. Não deixe de levar uma lanterna de cabeça, vai salvar a sua vida. Uma lente grande angular é a mais indicada, e, de preferência, com a maior abertura de diafragma possível – modelos intermediários da Canon, Nikon e Sony tem diafragma f/4, enquanto os avançados – e caros – tem f/2.8 ou f/1.4. Esta grande abertura de diafragma vai facilitar duas coisas para você: o uso de ISO mais baixo (foto mais nítida, com menos ruído) e velocidades não tão longas – assim você conseguirá registrar mais do movimento dela no céu. No meu setup básico nas caçadas, eu ficava com ISO entre 2000 e 3200, f/4 (máximo da minha lente) e 8 a 15 segundos de velocidade. Em alguns casos, onde a Aurora Boreal estava parada no céu, sem formar grandes desenhos, pude baixar a velocidade ainda mais, para 30 e até 60 segundos, afim de captar mais luz. Você perde no desenho, mas ganha em luminosidade e ruído. Tripé é indispensável, e um controle remoto também vai facilitar a sua vida, para deixar a câmera bem estabilizada e não mexer nela durante os cliques. Algumas câmeras mais modernas tem função wi-fi, portanto podem ser operadas pelo celular, o que também é um ganho. Esqueça flash ou qualquer outro tipo de iluminação artificial. A longa exposição da fotografia no escuro fará o trabalho de captar a luz necessária.
A terceira e quarta saídas foram interessantes, mas a Aurora Boreal perdeu um pouco de força nesses dias. Vale lembrar que vimos a Aurora Boreal em TODAS as saídas, o que foi incrível, mas nem sempre é assim. Demos um dia de descanso para fazer outras atividades ao redor de Tromsø – para os fotógrafos e amantes de um bom mirante, indico a subida ao Fjellheisen, o teleférico da cidade, semelhante ao nosso Pão de Açúcar, que dá uma vista espetacular para a ilha de Tromsø e as montanhas ao redor – mas, só um dia sem sair à noite para caçar a Aurora Boreal já deu um desespero, um aperto no coração! E se ela apareceu hoje e eu perdi? É incrível como, em apenas 2 ou 3 dias, criei uma relação íntima com esse fenômeno, e, enquanto estive por lá, não queria perder nenhuma chance!
Voltamos a sair na noite seguinte para termos a grande Aurora Boreal da viagem. Foram quase 8 horas de caçada, começando muito difícil com uma nevasca na estrada, ventos, etc. Chegamos a um ponto onde o céu estava abrindo, o especialista pediu para parar a van e descemos ali mesmo, na beira da estrada. Começaram as fotos, a Aurora ainda tímida apenas uma “mancha” esverdeada no céu, nada demais. Eu não estava satisfeito nem com a atividade dela, nem com a locação escolhida. Sorte a minha que o especialista e caçador de Aurora Boreal também não. Ele então decidiu sair dali em direção a uma praia próxima, coberta de neve, com uma montanha enorme ao lado. “Ali vamos vê-la de verdade” ele disse. Mais uma hora de carro e chegamos lá com a Aurora Boreal já explodindo no céu. Foi o tempo de correr para a beira da praia e começar a clicar como um louco, ainda tentando entender a geografia do local para escolher o melhor enquadramento – lembre-se que no escuro total, tudo é mais difícil. Foram quase 40 minutos ininterruptos onde vimos diferentes formas da Aurora Boreal, verdes de maneira tão brilhante que nem pareciam reais, os outros turistas aos berros emocionados… uma experiência inesquecível. Voltei para Tromsø aquela noite com a certeza que estava sonhando acordado.
Fotógrafo “fominha” é difícil segurar. Resolvi investir mais uma noite, esperando que aquela Aurora Boreal do dia anterior desse as caras novamente. A Aurora Boreal é formada por átomos eletricamente carregados, que são expelidos do Sol em explosões solares. Estas explosões solares são monitoradas por satélites e os caçadores têm acesso a estes dados. Por isso, pensei que uma explosão poderia ter acontecido há pouco tempo, causando aquele espetáculo no céu, pois o próprio caçador me disse no final da caçada que aquela tinha sido uma das melhores noites de Aurora Boreal da vida dele.
Bingo! Última noite, última aurora. Começou na estrada, cerca de meia hora depois que saímos de Tromsø. A especialista local fez uma parada de emergência no acostamento, pois três arcos verdes e espessos atravessavam o céu naquele momento. Ficamos por ali por cerca de 1 hora, e então ela decidiu seguir com o plano original, em direção a um fiorde ao norte da cidade. Mais uma hora de carro até lá, e chegamos com a atividade no céu bem fraca. “Que bom que paramos na estrada e garanti algumas fotos”, pensei. Mesmo assim estava lindo, o céu levemente verde, super estrelado, o local era fantástico, etc. Acendemos uma fogueira e, de repente, o céu explode em verde mais uma vez, e um arco muito, mas muito verde, neon, como uma cobra, começa a dançar sobre nossas cabeças. Este arco ficou por ali, variando seus movimentos, por quase 3 horas seguidas! Nesta noite, com mais calma – pois já tinha feito fotos incríveis nas últimas caçadas – fiz com certeza as minhas melhores fotos. Consegui enquadrar a Aurora Boreal em cenas mais pensadas, como árvores, montanhas e a própria Via Láctea, que estava dando sopa ali também. Para um fotógrafo de paisagem experiente como eu é fundamental “gastar” algumas fotos óbvias no início, para logo depois começar a ser mais criativo, e foi isso que eu fiz na última noite de caçada. Cada foto que eu fazia e conferia na tela era um palavrão de felicidade. Algumas são tão surreais que eu não tive nem coragem de postar nas redes sociais ainda, como aquele vinho caro que você guarda para uma ocasião especial.
Na volta pra casa, a certeza de ter investido certo – de todas as minhas viagens para fotografar uma temática específica, talvez tenha sido a de maior sucesso – e com uma empresa que entende muito do assunto, pois não é fácil identificar as condições ideais em meio a tantas variáveis envolvidas a cada noite, tampouco dirigir em condições extremas do inverno do Ártico, encontrando a locação perfeita para as fotos da sua vida.
Êxtase e incredulidade. Obrigado, equipes Borealis e Pixel!
O AUTOR
Marcello Cavalcanti
@marcellocavalcanti1
Marcello Cavalcanti já ministrou dezenas de aulas e workshops presenciais de fotografia, além de seu curso online, lançado em 2020, que já conta com mais de 500 alunos. Ele também comanda o canal “Por Trás da Foto”, do YouTube. Nas expedições da Pixel, Marcello procura unir técnica e criatividade para estimular os viajantes a extrair o melhor de cada paisagem nas suas fotografias.
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